19 de out. de 2010

ABAIXO O ODORIQUÊS

Criação do dramaturgo Dias Gomes, Odorico Paraguaçu – vivido por Paulo Gracindo na televisão e por Marco Nanini no filme O Bem Amado – atropelava a gramática no afã de “falar bonito”. O português corrente no Brasil, hoje, registra seus “odoriquismos”.

VOU ESTA ENVIANDO OS DOCUMENTOS NA PRÓXIMA SEMANA
Muito próprio do português falado no Brasil, o gerúndio hoje sofre de uma hipertrofia monstruosa, que perverte seu sentido original – a indicação de um tempo contínuo. O cipoal de verbos na frase acima pode ser substituído, com vantagens, por “enviarei” ou “ vou enviar”.


ESSA QUESTÃO DEVERÁ SER TRATADA A NÍVEL DE DIRETORIA
Italianos, franceses e espanhóis também incorporaram “a livello di”, “au niveau de” e “ a nível de”, provavelmente a partir do inglês “at the level of”. É uma afetação, uma forma de enredar o que deveria ser simples: a questão a ser tratada na diretoria.

DISPONIBILIZAR, PROTOCOLIZAR, OBSTACULIZAR
Em princípio,, a sobreposição de sufixos na formação de novos verbos está de acordo com as normas da língua portuguesa. Mas há um franco exagero no caso dos verbos terminado em “izar”, muitos comuns em economês. Embora o intuito aparente seja enfeitar a linguagem, esses verbos são deselegantes. Fora duas letras a mais, o que “protocolizar” tem que “protocolar” já não tinha?

RISCO DE MORTE
A proscrição de “risco de vida” – que aparece em obras de Machado de Assis e Aluísio de Azevedo – é um modismo instaurado por gramáticos amadores, que ignoram um ato simples: as línguas não são estritamentes lógicas. A expressão “pois não”, por exemplo, tem sentido afirmativo. No caso de “risco de vida”, tem-se uma figura de linguagem chamada elipse: a supressão de um termo, que fica subentendido. Todo mundo entende perfeitamente que se trata do risco de perder a vida.

ANTES DE ENTRAR NO ELEVADOR, VERIFIQUE SE O MESMO ENCONTRA-SE PARADO NESTE ANDAR
As normas gramaticais admitem “mesmo” como pronome com valor demonstrativo – e não na função de pronome pessoal, como na frase acima, comumente afixada em elevadores. Este aviso esdrúxulo inspirou até uma comunidade no Orkut. “ Eu tenho medo do Mesmo”, com mais de 100 000 integrantes , veicula a piada de que o Mesmo seria um psicopata que ronda elevadores. Solução mais simples e correta: “Antes de entrar no elevador, verifique se ele se encontra parado nesta andar”.

EU, ENQUANTO PESSOA HUMANA
Embora esteja formalmente correto, o uso da conjução “enquanto” no sentido de “na qualidade de”, “na condição de” tornou-se uma espécie de tara dos textos acadêmicos. O mais grave, na expressão acima, é a redundância desnecessária de “pessoa humana”. Existirão por acaso pessoa suínas – ou asininas?

Fonte: Revista Veja – agosto 2010

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